Discurso de ódio na internet e o papel do governo em criar grupos de trabalho para mapear esses tipos de crimes 

A internet tem rapidamente transformado a maneira com que as pessoas se comunicam ao redor do mundo, seja através de mensagens e ideias,

seja para fazer negócios e viver suas vidas. A habilidade de enviar informações instantaneamente e a qualquer momento por relativamente pouco ou nenhum custo é verdadeiramente revolucionária. Ao mesmo tempo em que a internet é um importante e significante gerador de benefícios para a sociedade, entretanto, as possibilidades de utilizar esse meio para atividades ilegais crescem também. Infelizmente, a internet tem se tornado uma nova frente na dispersão do ódio.

A internet é um local convidativo para abrigar o vírus do ódio. Enquanto antigamente manifestantes do ódio tinham que permanecer de pé nas esquinas das ruas e propagar suas mensagens de insulto através de panfletos muitas vezes mimeografados, agora esses extremistas têm explorado novas tecnologias para promover suas causas nos sites da rede mundial de computadores (WWW) e nas salas de bate-papo.

A internet tem permitido que extremistas expandam o acesso ao discurso do ódio a milhões de pessoas – incluindo adolescentes e jovens manipuláveis. Isso tem facilitado a comunicação entre odiosos que pensam de forma semelhante, ainda que vivam em diferentes continentes, ampliando a capacidade de promover e recrutar para suas causas de forma anônima e mais barata. Num contexto criminal, ameaças contidas em mensagens de e-mail pode ser um esconderijo para o anonimato ou a falsidade ideológica. Pessoas podem ser escolhidas para receber mensagens sem o seu consentimento ou conhecimento.

O assunto é tão grave no Brasil quanto nos Estados Unidos, aonde a Primeira Emenda geralmente protege expressões como discursos odiosos, ainda que ofensivos e dolorosos. Por trás dessa dispersão de ódio, no entanto, está crescendo uma mania perturbadora de utilizar a internet para intimidar e coagir indivíduos devido a sua raça, religião, orientação sexual ou origem de nascimento.  

Quando o discurso contém uma ameaça direta e imputável contra uma organização ou um individuo identificável, isso cruza a linha em direção à conduta criminosa. Discursos de ódio contendo ameaças criminais não são protegidos pela Primeira Emenda nos Estados Unidos. Ainda assim, são poucos os casos criminais envolvendo discurso de ódio na internet no país da Liberdade.

No Brasil, o Governo vem tentando mudar esse quadro a partir do monitoramento e mapeamento de crimes contra os direitos humanos em redes sociais. Essa será a tarefa do grupo de trabalho lançado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O objetivo é receber e analisar denúncias sobre páginas da internet que promovem o ódio e fazem apologia à violência e à discriminação. 

O grupo também será composto por membros da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), da Secretaria de Políticas para Mulheres, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério Público Federal, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais. 

No Brasil houve um aumento entre 300% e 600% no registro de crimes de discurso de ódio entre 2013 e 2014. Resta evidente que a legislação brasileira precisa ser revista quando se trata de crimes cibernéticos. 

Recentemente, o caso da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, atacada por uma multidão e morta em maio, em Guarujá (SP), depois da publicação de um retrato falado em uma rede social de uma mulher que realizava rituais de magia negra com crianças sequestradas chocou o Brasil. Isso porque, a dona de casa foi confundida com a mulher do retrato falado. 

Ainda, em oito anos, a SaferNet Brasil recebeu e processou 3.417.208 denúncias anônimas envolvendo 527 mil páginas na internet. As demandas foram registradas pela população por meio de hotlines que integram a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. 

A internet hoje é uma terra sem lei. E, como já disse Thomas Hobbes, no estado de natureza, o homem é o lobo do próprio homem. Daí vem a ideia de Stuart Mill, filósofo inglês, de que a liberdade racional demanda uma ideia de autonomia moral, de autorresponsabilidade. 

Isso significa que liberdade, como primeira e mais forte exigência da natureza humana, necessita da internalizarão das regras pelos indivíduos. Liberdade não significa “cada um fazer ou dizer o que bem entende sem observar as regras”. Para uma sociedade ser livre e os indivíduos terem sua liberdade individual preservada, é preciso que as pessoas respeitem as regras impostas pelo Estado. Nessa linha, discurso de ódio deve ser perseguido, pois desrespeita as regras mais primordiais de respeito à diversidade e individualidade.