Thomson Reuters é obrigada a retirar informações cadastradas irregularmente no site World Check

Em recente decisão prolatada pelo 4º Juizado Especial Cível do Foro Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a Thomson Reuters, que tem participação na Thomson Reuters Group Nominees Limited, sociedade administrador do site World Check, foi condenada a pagar R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por ter cadastrado irregular e indevidamente informações negativas de um consumidor.

Na petição inicial, o consumidor afirmou ter sido cadastrado no banco de dados denominado World Check pela prática de delito, sem, contudo, ter sido sequer notificado previamente. Ocorre que a sentença penal condenatória que ensejou a inscrição negativa não teria transitado em julgado, além de que os fatos objeto da sentença criminal terem ocorrido há mais de cinco anos, circunstâncias que impedem o cadastro realizado pelo site, por completa ausência de amparo legal.  

Embora tenha tentado alteração das informações de forma extrajudicial, o site recusava-se a retirar tais informações, o que deu ensejo a diversos prejuízos para o Autor, como problemas para abrir e manter contas bancárias, bem como para obtenção de crédito. 

O juiz da causa entendeu que o cadastro do nome do Autor com informações referentes à condenação penal que ainda não transitou em julgado “fere o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade (ou presunção de inocência) previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.”. Logo, resta “evidente, pois, a ilegalidade do registro negativo, do que resulta, como consequência lógica, a procedência do pedido de cancelamento do registro”.

Quanto ao pedido de indenização por danos morais, o juiz afirmou que a jurisprudência é pacífica ao reconhecer o direito do consumidor que teve o nome cadastrado de forma indevida em registros de maus pagadores, nos casos em que não há inscrição preexistente, como no caso do Autor em questão, reconhecendo que o registro negativo pode gerar grande prejuízo. Assim, condenou as Rés Thomson Reuters Serviços Econômicos Ltda e Thomson Reuters Group Nominees Limited ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao Autor, a título de indenização por danos morais.

Processo n. 001/3.15.0003440-7

Comentário Dr. Wolf

A decisão acima relatada é de suma importância, especialmente no Brasil que vivemos hoje, tendo em vista estar em voga perigosa corrente institucional que tem defendido a indiscriminada divulgação de fatos criminosos imputados a determinados escolhidos por operações de perseguições comandadas pelo Estado, notadamente pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Perseguições essas que são, na sua maioria, respaldadas pelo Judiciário, pois ainda que sem o julgamento sumário do STF, permite que a imprensa dê peso de julgamento definitivo aos fatos que divulga.

Desse modo, antes de tudo, é relevante lembrar que a coisa julgada, junto ao princípio da segurança jurídica, é pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, modelo de Estado escolhido pela população brasileira a partir da Redemocratização em 1988, com a Constituição Federal. Não por acaso, a coisa julgada está expressa no inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros: 

“XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”.

Ora, se sequer a lei, instrumento normativo eleito democraticamente pelo povo para representá-lo, poderá prejudicar a coisa julgada, por que um simples site teria condão de, não só desafiar a coisa julgada, mas aproveitar do seu mau uso e prejudicar o próprio cidadão brasileiro, expoente individual máximo do seu povo? Evidente que a resposta do Judiciário, nesse caso apresentada pela sentença acima relatada, foi extremamente correta e merece ser reverberada no país, a fim de que o Estado Democrático de Direito seja devidamente respeitado e, jamais, desafiado. 

Voltando ao caso, é notório que as ferramentas de compliance de Bancos e de rede informações cadastrais baseiam-se nestas noticiais e vendem informações aos Bancos e a demais instituições.

 Em grave violação a direitos fundamentais estampados na Constituição Federal, a tudo isto falta dar o direito ao contraditório e observar a dignidade da pessoa humana. Ademais, é necessário entender que, antes de tudo, todos são inocentes ate que haja condenação com transito em julgado. Pensar o contrário é “coisificar” o ser humano, algo veementemente taxado no Estado Democrático de Direito, pois, como afirma Kant, o homem “existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade” (KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa:Edições 70, 1986, p.68 ( Apud. PETTERLE, p. 64). 

 Ainda nesse sentido, caso permitida a divulgação indiscriminada de notícias falaciosas sem o devido direito ao contraditório, estar-se-ia praticando o quanto pregou Goebbels, o chefe do marketing nazista, que afirmava que a mentira repetida acaba virando verdade.

 Ora, é de se ressaltar que quando este nazista fez esta afirmação existia para geração de suas mentiras rádio a válvulas de transmissão deficientes que dificultavam a disseminação das falácias. Todavia, na realidade de hoje, um jornaleco de ínfima circulação, do interior do sertão, pode simplesmente plantar uma noticia inverídica contra uma pessoa de bem, causando enorme repercussão em algo que nada existia. Isso porque, ferramentas como o Google podem se aproveitar dessa notícia e, hipocritamente, publicá-las, afirmando que apenas está apenas reproduzindo o que disse o jornaleco. Assim, a notícia se espalha via Facebook e outras redes sociais, por exemplo, a ponto de destruir reputações ou, como conta do titulo do livro de Romeu Tuma Jr., assassinar reputações.

Em minha opinião, alem da inobservância aos preceitos constitucionais que baliza e dá contornos ao Estado de Direito, há, nesses casos de divulgação indevida, flagrante difamação e obrigação por responder a indenizações, que deveriam ser subtraídas em pesados valores como ocorre nos Estados Unidos. 

Pois se lá a liberdade é protegida como um direito fundamental quase inatingível, ela é, também, limitada pelo Direito. Isso porque, acima de tudo, inclusive da própria liberdade, está o Direito, que tem como principal função estabelecer a ordem nas relações humanas. Como diria Lon Fuller, no seu livro The Morality of Law, até mesmo a liberdade necessita do Direito, porque liberdade sem ordem não é liberdade.

Assim, ao deixar de aplicar verbas polpudas sob alegação de inibir o enriquecimento sem causa, o Judiciário acaba incorrendo em dois erros: não protege a confiança que os cidadãos depositam no Estado, no sentido do trust americano, pois há uma permitida desordem nas relações humanas; e, ainda, perde a oportunidade de inibir a agressão à dignidade humana. 

Em última análise, temos que fazer valer a nossa Carta Magna, pois estamos chegando à dura realidade de, por um lado, poucos a conhecerem e, por outro, de muitos agredirem-na e a grande maioria a descumprirem-na. Isso porque, sem lei nunca seremos uma nação democrática e caminharemos na contra mão do desenvolvimento social, gerando consequências nefastas para nossas instituições, que se tornarão impérios de falácias.