É possível que empresa em recuperação judicial participe de licitação?

As empresas em recuperação judicial têm o direito de participar de licitações, mesmo com a exigência da Lei de Licitações (Lei 8.666/93) de que os participantes apresentem “certidão negativa de falência ou concordata”. Assim decidiu a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento do ministro Mauro Campbell Marques, que relativizou as exigências documentais previstas em lei, para que uma empresa em recuperação tenha a chance de realmente se recuperar.

Ao votar na quarta-feira, 17/12, Campbell apontou jurisprudência da Corte no sentido de permitir que as companhias em recuperação consigam parcelamento tributário sem a comprovação de regularidade tributária — nos termos do artigo 57 da Lei 11.101/2005 e do artigo 191-A do Código Tributário Nacional — diante da inexistência de lei específica a disciplinar o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas em recuperação.

No caso, discutia-se a possibilidade de uma empresa de informática do Rio Grande do Sul, que vive apenas de licitações, manter-se no mercado. O Tribunal de Justiça do Estado havia permitido que a companhia participasse de concorrências sem apresentar o documento exigido. O Ministério Público recorreu ao STJ, pedindo que a decisão fosse suspensa, afirmando que havia periculum in mora, ou seja, risco na demora da suspensão da decisão. Segundo o órgão, a empresa poderia ganhar uma concorrência e, posteriormente, deixar o Poder Público sem o serviço.

O ministro Humberto Martins concedeu a liminar pedida pelo MP, no dia 6 de novembro. No julgamento desta quarta, Campbell abriu a divergência, no que foi seguido por dois de seus colegas. O ministro discordou do argumento do MP, e disse que, no caso, o que há é uma possível ocorrência de “periculum in mora inverso”, pois, como a companhia foca sua atividade empresarial em contratos com os entes públicos, “a subsistência da liminar em tela poderá comprometer a sua existência”.

Logo, o ministro conclui que, se deferido o pedido do Ministério Público, “haverá grandes possibilidades da pessoa jurídica não mais existir, porquanto, impossibilitada de dar prosseguimento à suas atividades comerciais”.

Campbell levou em conta o artigo 47 da Lei 11.101/2005, que define: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Ficaram vencidos os ministros Humberto Martins e Hermann Benjamin, que votaram pela impossibilidade de a empresa participar das licitações sem apresentar todos os documentos exigidos.

Medida Cautelar 23.499

Fonte: Por Marcos de Vasconcellos, site conjur.com.br

Comentário Dr. Wolf

A notícia supracolacionada propõe reflexões acerca da Lei de Recuperação de Empresas. Ao decidir o caso com base no art. 47 da Lei 11.101, o ministro Campbell lançou mão do princípio mais importante da nova Lei de Falências: a preservação da empresa. Isso porque, tal princípio, se aplicado de forma coerente, pode ajudar em muito a efetivação da recuperação empresarial. Para isso ocorrer, é necessária uma interpretação sistêmica da Lei, de acordo com os princípios que a inspiraram. 

Calixto Salomão Filho indica a clara opção institucionalista pela preservação da empresa da nova Lei de Falências. Daí dizer, em acordo com a decisão mencionada pela notícia em comento, que não é possível pensar em preservação da empresa apenas no período de crise da empresa, mas também durante a sua vida. Por essa razão que a aplicação do princípio da preservação da empresa pode ajudar a dar aplicação a princípios institucionalistas societários como o do art. 116 da Lei 6.404/76.

Dessa feita, correta a aplicação do art. 47 no caso em análise, tendo em vista que a continuação da atividade da empresa, objetivo maior da Lei 11.101, não poderia ser prejudicada por uma exigência que ainda não foi regulamentada em lei específica, como determinado pela nova Lei de Falências.