Direito tem redução inédita de formandos

“Na revolta dos moços, que marca de forma tão dramática os dias de hoje, uma parte – substancial – há que ser atribuída à Universidade, e, dentro dela, às escolas de Direito.

A quantos vêm acompanhando o processo de inconformidade dos alunos com o ensino que lhes é ministrado, nenhuma surpresa pode causar o fato, que assume o noticiário dos jornais depois de longa, penosa e frustrada ação das lideranças estudantis, e de grande parte do corpo docente no âmbito fechado das faculdades.

Em verdade, há muito se movimentam os estudantes, insatisfeitos com o que a Universidade lhes oferece, seja quanto a adestramento profissional para desempenho de responsabilidade na sociedade em que devem viver, seja em termos de capacidade de compreensão dos fenômenos que se passam nessa sociedade. Assinale-se, desde logo, que a crise no ensino jurídico precedeu as demais: há décadas os estudantes se queixam de que o ensino é “teórico”, que o aprendizado que lhes é ministrado não os prepara para o desempenho da profissão, seja na forma tradicional de advocacia liberal, seja nas formas de assessoria da administração pública ou da de empresas privadas, seja, ainda, em termos de cultura geral; que os professores são, na maioria, desinteressados, e alguns até incompetentes e, na quase totalidade, sem tempo para dedicar ao ensino e ao aluno”. LAMY FILHO, Alfredo. A crise do ensino jurídico e a experiência do CEPED. 

O texto de Lamy Filho, ainda que mais de 40 anos tenham se passado, permanece atual, e a sua mensagem faz cada vez mais sentido. Hoje também não nos surpreende que a queda do número de formandos no ensino superior entre 2012 e o ano passado tenha atingido um dos cursos com maior volume de estudantes no país: direito.

A redução de bacharéis em direito (3%) foi menor do que a média de todos os cursos (5,65%), mas a primeira queda verificada na última década. Em 2012, 97,9 mil estudantes concluíram a graduação. No ano passado, 95 mil. 

Para o Ministério da Educação, a queda do número de formandos de uma forma geral foi motivada por medidas de supervisão e fiscalização do governo federal, que resultaram em fechamento de vagas ou congelamento de vestibular em cursos considerados de má qualidade. 

Em comparação, os cursos de medicina tiveram aumento no número de formandos.

No ano passado, a quantidade de novos médicos que entravam no mercado foi de 16.495 --apenas 141 a mais do que em 2012. No período anterior, o incremento foi da ordem de 1.700. 

Também houve redução do ritmo de crescimento das matrículas na graduação. 

"Esse número era muito alto. O que sempre falamos é que a quantidade de médicos não vai resolver o problema", afirma Mauro Ribeiro, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina. 

Na visão da entidade, o problema da distribuição de profissionais pelas regiões do país pode ser resolvido com a criação de uma carreira de Estado para a categoria.

O problema da educação parece longe de ser resolvido no Brasil. Talvez seja hora de relermos os clássicos sobre o assunto, a fim de refletir sobre possíveis alternativas. Não me parece que o aumento sem critério e a flexibilização no acesso às Universidades públicas melhorarão a educação. Investimentos em educação de base podem dar retornos ainda mais significativos do que meras medidas paliativas sob o argumento da inserção social. 

Ainda antes de Lamy Filho, John Stuart Mill, no seu excepcional livro Sobre a Liberdade, contemplou qual deveria ser o papel do Estado na educação: 

“Se o governo se decidisse a exigir uma boa educação para todas as crianças, poderia se poupar o esforço de providenciá-la. Poderia deixar aos pais a incumbência de encontrar educação onde e como desejassem, contentando-se em auxiliar a pagar as taxas escolares das classes mais pobres de crianças, ou mesmo arcando com todas as despesas escolares daqueles que não possuem quem o faça. As objeções que com razão se levantam contra a educação do Estado não se aplicam à imposição da educação estatal, mas ao fato de o Estado assumir a direção da educação, o que é algo completamente diferente. Que toda ou a maior parte da educação esteja nas mãos do Estado, desaprovo-o tanto como qualquer um. Tudo o que disse sobre a importância da individualidade do caráter e da diversidade de opiniões e nos modos de conduta envolve, com a mesma indizível importância, diversidade de educação. Uma educação geral promovida pelo Estado não passa de um mero artifício para moldar pessoas exatamente iguais umas às outras; e como o molde em que as forjam é o que agrada ao poder dominante no governo, seja este qual for, quanto mais este poder for eficiente e bem sucedido, tanto mais se estabelecerá o despotismo sobre o espírito, que tende naturalmente a se estender pelo corpo. Uma educação instituída e controlada pelo Estado deveria apenas existir, se é que deveria existir, como um dentre inúmeros experimentos concorrentes, aos quais serviria de exemplo e estímulo, mantendo-os num certo padrão de excelência”.

Nesses padrões de excelência, poder-se-ia trabalhar com incentivos precisos na educação, não só de crianças, mas também no Ensino superior. Assim, a redução no número de formandos no curso de Direito, que muito é causado pelas frustrações levantadas por Lamy Filho, tenderiam a se inverter. O que o estudante quer e precisa é participar do projeto de aprendizado. Se o Estado não está preparado para dar esse apoio, o melhor é estabelecer a demanda, e não a oferta.