Produtor rural precisa estar inscrito na Junta Comercial para requerer Recuperação Judicial

Ementa da Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Agravo de Instrumento Recuperação Judicial – Produtores rurais - Inexistência de prévia inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis - Impossibilidade de equiparação a empresário. Produtor rural não pode beneficiar-se nem ser prejudicado pela disciplina da recuperação judicial e das falências se não estiver inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis

— Tampouco pode beneficiar-se da recuperação judicial em relação a operações realizadas antes de inscrever-se naquele registro, pois sua equiparação a empresário só ocorre com a referida inscrição - Todo e qualquer titular de crédito sujeito aos efeitos da recuperação judicial tem legitimidade para contraminutar agravo de instrumento interposto pela recuperando. Agravo desprovido. Relator(a): Lino Machado; Comarca: Urânia; Data do julgamento: 06/07/2010; Data de registro: 29/07/2010; Outros números: 6802474100).

Comentário do Dr. Wolf: 

O caso, cuja ementa da decisão está acima transcrita, refere-se à tentativa de produtores rurais beneficiarem-se da recuperação judicial de sociedade limitada que participavam. Ocorre que os produtores rurais, apesar de não terem inscrição na Junta Comercial no momento do pedido de Recuperação Judicial, queriam ser equiparados a empresários para terem a referida benesse legal, contrariando o preceito do art. 971 do CC, que exige a referida inscrição: 

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

O TJ/SP entendeu que não há como deferir-se processamento da recuperação judicial dos produtores rurais equiparados a empresários sujeitos ao registro público de empresas se essa equiparação veio a acontecer depois de apresentado o pedido (os créditos então existentes referem-se à atividade de produtor rural não equiparado a empresário sujeito ao referido registro e os créditos posteriores estão, por definição legal, excluídos da recuperação judicial).

Corroboro a decisão do Tribunal, tendo em vista ser dever de o empresário inscrever-se na respectiva Junta Comercial; embora, ao contrário do que preconizava o Código Comercial de 1850, o empresário não perca a proteção legal caso não venha a ser inscrito. A questão, todavia, é se a lei exigiu que a inscrição fosse anterior à adquirirão de certo status legal, é por alguma razão. Rachel Sztajn explica o porquê: 

"o risco é de, paulatinamente, abrandar-se o rigor normativo para aceitar pedidos de quem exerça a atividade irregularmente por algum período e, vendo-se diante da impossibilidade de obter a recuperação judicial por conta disso, tardiamente, se ocupe em regularizá-la, o que abre espaço para comportamentos oportunistas o que a norma não pode estimular nem consentir". “O prazo de dois anos de regular exercício da atividade, que se demonstra mediante a apresentação de certidão do Registro Público de Empresa, tem como função evitar oportunismos, isto é, a obtenção de vantagem ou benefício por quem, aventurando-se e assumindo riscos, exerça atividade econômica sem, para tanto, estar devidamente matriculado, na forma do previsto no Código Civil para qualquer empresário, pessoa natural ou jurídica”. (cf. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, coordenadores FRANCISCO SÁTIRO DE SOUZA JÚNIOR e ANTÔNIO SÉRGIO A. DE MORAES PITOMBO, 2a edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 224-225). (grifos nossos). 

Resta evidente, auxiliados pela interpretação da Professora da USP, que a intenção maior da Lei, nesse sentido, é evitar comportamentos oportunistas, ou seja, que lançam mão do status de empresário apenas para utilizarem institutos privados da atividade profissional, como a Recuperação Judicial, mas sem incorrer nos ônus – que são proteções aos credores – previamente estabelecidas em lei. 

Daí que o empresário, seja singular seja coletivo, embora não efetue o registro de sua atividade na forma legal, não é passível de penalidade administrativa ou criminal. Comercia normalmente, mas está sujeito à falência, sempre fraudulenta, e, conseqüentemente, vedada lhe é a recuperação judicial. Cabe, pois, ao devedor, fazer a prova de que exerce regularmente o comércio há mais de dois anos. A prova há de ser feita com certidão do registro da declaração de sua firma individual na Junta Comercial, à qual está afeto o serviço do registro do comércio; se for sociedade comercial, a certidão do arquivamento do contrato social ou atos constitutivos. 

Em face dessa exigência, estão impedidos de impetrar o benefício as sociedades irregulares e os empresários individuais não registrados, chamados vulgarmente de comerciantes de fato. Sempre entendemos que exercício regular do comércio corresponde a exercício legal do comércio. E o exercício legal do comércio, na linguagem comercial, é o do comerciante que tem seus livros legalizados, em decorrência de sua rubrica pela Junta Comercial. A contabilidade normal, lançada de conformidade com a exigência do Código Comercial nos livros da empresa, só se torna possível com aquele registro. Ora, da conjugação desses artigos do Código Civil com o caput do art. 48 da Lei n.° 11.101/2005, conclui-se que: 1) é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade; 2) a sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural pode requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária; 3) assim, o exercício regular da atividade empresária só se conta a partir da inscrição do produtor rural na Junta Comercial, não se podendo considerar, para efeito do disposto no caput do art. 48 da LFR, o tempo anterior à inscrição, em que o produtor rural exerceu a sua atividade sem registro.