Empresa que mudou objeto social para venda de sapatos não poderá explorar serviço de rádio

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu em caráter liminar a execução do contrato de permissão entre a União e a empresa S. Comunicações LTDA para explorar serviço de radiodifusão sonora na cidade de São João Batista (SC).

A decisão foi da presidente em exercício do Tribunal, ministra Laurita Vaz, em um pedido liminar em mandado de segurança impetrado pela empresa V. de Comunicações, inconformada com a outorga do serviço para a S., que passou a comercializar calçados logo após a habilitação na licitação.

 

A V. de Comunicações afirmou que em dezembro de 2001 o Ministério das Comunicações publicou um edital de concorrência com objetivo de outorgar serviços de radiodifusão para várias cidades de Santa Catarina, incluindo São João Batista.

Apesar de ser classificada em segundo lugar, a V. alegou que não foi chamada para a fase de adjudicação da licitação, mesmo com a alteração da denominação, do objeto social e do quadro de sócios da empresa vencedora, S. Comunicações. Mudanças que, conforme a Lei 4.117/62 e o Decreto 52.795/63, deveriam resultar na desclassificação da empresa.

Consta nos autos que a empresa vencedora passou a denominar-se S. Indústria e Comércio de Calçados LTDA, voltada para o comércio de calçados de couro, havendo também mudanças em seu quadro societário.

De acordo com Laurita Vaz, a Lei 4.117/62 determina expressamente que, nas permissões para explorar serviços de radiodifusão, “a alteração dos objetivos sociais, a modificação do quadro diretivo, a alteração do controle societário das empresas e a transferência da concessão, da permissão ou da autorização dependem, para sua validade, de prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo”.

A ministra destacou trecho do edital licitatório que dizia que ultrapassada a fase de habilitação, as proponentes não mais seriam desclassificadas por motivo relacionado à habilitação jurídica, a não ser por fatos supervenientes ou só conhecidos depois da habilitação.

Laurita Vaz reconheceu que as alterações na composição societária e no objeto social, posteriores à habilitação, não foram comunicadas ao Poder Executivo. Afirmou ainda que, no momento da outorga, o objeto social da empresa era apenas a indústria e o comércio de calçados, ou seja, “absolutamente estranho à exploração de serviços de radiodifusão”.

Laurita Vaz entendeu que as irregularidades contidas nos autos eram suficientes para a concessão da liminar, suspendendo o contrato de outorga dos serviços de radiodifusão até o julgamento do mandado de segurança, cujo mérito será julgado pela Primeira Seção.

Processo: MS 21539

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

 

Comentário Dr. Wolf

A fim de comentarmos a notícia destacada, é necessário compreender o conceito de objeto social, ponto fundamental do decisum. 

A definição de objeto social está no art. 2º da Lei 6.404, de 1976, a chamada Lei das Sociedades Anônimas. Prescreve o artigo: Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. Em outras palavras, objeto social é a expressão escrita das razões, dos motivos e interesses dos sócios em estar naquela companhia. Não é por acaso que a doutrina divide o conceito em formal, uma vez que descreve a atividade-fim em que a empresa atuará, e substancial, trazendo a noção de atividade-meio, isto é, a série de atos intermediários necessários para atingir a atividade-fim. 

Por traduzir o risco do negócio, é indispensável que o objeto social seja preciso e completo, daí a necessidade legal de que sejam definidos o gênero e a espécie da atividade a ser executada. Uma vez eleita nos estatutos sociais como sendo aquela a atividade a qual deve se dedicar a sociedade, o objeto social representa um guia, um norte que vincula à administração da companhia. 

É de se ressaltar, em contrapartida, que nos Estados Unidos não há rigidez no objeto social das companhias americanas, prescrevendo a lei que “any lawfull business” (qualquer negócio dentro da lei) pode representar a atividade da sociedade.

In casu, a decisão questiona a outorga da licitação à sociedade que trocou seu objeto social sem atender aos requisitos legais necessários para tanto. Considero correto o desfecho ao conceder a liminar, portanto, tendo em vista que, nas célebres palavras de André Tunc, em Le Droit Anglais des Sociétés Anonymes, “é inaceitável que um acionista de sociedade mineradora viesse a se tornar, do dia para a noite, acionista de uma boutique de peixes fritos (1971, p. 35). Consequentemente, uma vez que o direito brasileiro adota regra de rigidez na mudança do objeto social, por considerá-lo fundamental, é de se esperar que uma sociedade efetivamente siga as atividades descritas no seu objeto.