Desconsideração da personalidade jurídica exige desvio de finalidade ou confusão patrimonial

A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) negou provimento a agravo legal interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e confirmou decisão do relator, desembargador federal Luiz Stefanini, afastando pedido de desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa.

Para o colegiado, que seguiu o entendimento do relator, os Correios não comprovaram haver abuso por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, o que justificaria a desconsideração da personalidade jurídica.

 

A decisão do desembargador federal Luiz Stefanini esclarece que existem duas teorias que explicam a superação da personalidade jurídica: a maior e menor, cada qual exigindo requisitos próprios.

Pela teoria maior, a desconsideração só acontecerá se ficarem comprovados os requisitos legais que configuram uso abusivo da pessoa jurídica. Já para a teoria menor, basta para a caracterização da desconsideração a simples comprovação de insolvência da pessoa jurídica, sem aferir nenhum desvio ou confusão patrimonial.

No caso, “é aplicável o Código Civil, que adotou a teoria maior da desconsideração, diferentemente do Código de Defesa do Consumidor, que adota a teoria menor, exigindo apenas a insolvência da pessoa jurídica para aplicar a desconsideração”, ressalta o relator.

O artigo 50 do Código Civil enumera os requisitos para caracterização do abuso da personalidade jurídica: o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Quando ocorre um desses requisitos, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa e decidir que algumas obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Os Correios pediram a desconsideração baseada no encerramento irregular da empresa adversária, com a insatisfação do crédito, em prejuízo de seus credores. Esta situação, porém, não se enquadra na hipótese de confusão patrimonial ou desvio de finalidade.

No tribunal, o processo recebeu o número 0004745-76.2015.4.03.0000/SP.

Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Comentários Dr. Wolf

Notícias como a acima destacada demonstram que os Tribunais brasileiros estão novamente atentos à importância da limitação da responsabilidade de empresários. Novidade, porque decisões como a noticiada não deixam de ser recentes, tendo em vista os últimos 10 anos de aplicação do Código Civil editado em 2002, em que o mero encerramento irregular da empresa ensejava a desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, a responsabilização dos sócios.

 

Com maestria, Bruno Salama, professor da FGV-SP, demonstra no seu livro “O Fim da Responsabilidade Limitada no Brasil” que essa tendência de externalização dos riscos do negócio para os sócios é medida que se iniciou paulatinamente no Brasil a partir da década de 70, na Justiça do Trabalho e, posteriormente, no Direito Tributário, sob argumentos de que as pessoas jurídicas estavam sendo cada vez mais usadas para realização de fraudes. 

Ocorre que, como pondera o autor do livro, essa ampliação da flexibilização da limitação da responsabilidade empresarial acarreta mais problemas do que propriamente resolve outros. Nas palavras de Salama: 

“O problema é que há um preço a ser pago pela ampliação muitas vezes carente de critérios do escopo da responsabilização tributária. Esse preço não é apenas o da injustiça com certos agentes ligados à empresa que possuem legítimas expectativas de não se tornarem responsáveis, mas também o da criação de incentivos perversos. Quando contratar com uma empresa passa a ser arriscado, os agentes buscam criar mecanismos que lhes minimizem os riscos. Daí a interposição de empresas, a criação de estruturas internacionais e uma série de outras ações que encarecem a atividade empresarial, reduzem a transparência dos negócios e indiretamente incentivam novas fraudes”. (Op. cit., p. 184).

Dito isso, é preciso lembrar, como bem pontuou a decisão noticiada, que o Código Civil estabeleceu critérios para a desconsideração da pessoa jurídica, notadamente, confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Ora, encerrar irregularmente uma empresa não configura confusão patrimonial nem desvio de finalidade, mas somente encerramento irregular da atividade empresária. Sendo apenas essa hipótese considerada nos autos para justificar a desconsideração, deve-se manter intacta a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor da quota que foi integralizada no contrato social.